Olhando para os anos que tenho,
Noto que tanto tempo vivi
Para perceber que conjuguei equivocadamente
o verbo da vida.
Espalho meus anos sobre o chão de minha história
e noto que, de fato, sobrevivi à vida imposta a mim.
Vivi pouco de todo o ar que respirei.
Hoje respiro o ar que sobrou do ar seco de inverno.
Convivo com o que posso perceber, que nem sempre
está além de um palmo da minha percepção imediata.
Aceito o dinheiro validado pelo sangue
de minha inautenticidade.
Sobrevivente de um conflito de fé
Naquilo que antes não precisava ver para crer.
Hoje, porém, ainda que venha a ver,
descreio e me inclino a pensar que alucino
ao sentir bons momentos de crença no outro.
As crianças, então, interferem em sentimentos
que eu já pensava inexistir.
Ao olhá-las, ao observá-las silenciosamente
desde um recanto isolado em minh'alma,
aceito a possibilidade de ser feliz.
E "ser feliz" é um bem-estar: a boa cama,
um alimento do corpo, um filme, um aconchego...
Às voltas com dores diurnas e noturnas,
Meus passos revelam que há um tempo que se foi...
Meus ossos aludem a um presente de limites,
de fronteiras, de uma idade que avança.
Ainda tão jovem para olhar o mundo
Com olhos marejados de lágrimas,
Sintonizo ideias abruptas, tentando ser eu mesmo
no meio de tantas pessoas que aprendi a ser...
Ah, onde está a franqueza tão pura de mim?!
Relutante, sigo adiante, com medo da morte,
que já provou ser parte indelével do mundo das gentes.
Eu costumava dizer o que meu coração me guiava a dizer.
Eu costumava gritar se preciso fosse...
Hoje penso as palavras, cubro meus choques,
maquio meu ódio com sorrisos adultos. Lá se foi minha infância...
Não dou passos inconsequentes de um adolescente;
Contudo, admito que pouco tenho a ensinar às existências incipientes.
Sobrevivi aos anos...
Poucos ares puros respirei. Escorri meus desejos
Em peneiras de medo...
E só hoje concluo que preciso viver!
Viver!
00h43