terça-feira, 28 de dezembro de 2021

PANDEMIA

 Ao abrir meus olhos, desfigurada estava a face de meu povo;

almas trincadas pela dor da perda, da falta do novo

e do retorno do que antes dilacerava ossos.

Meus olhos, que há tanto não via a luz,

seguiu sem vê-la na carne decomposta dos sofridos de fome.

A nação não tão gentil esmaga, infame, o esquecido.

Esquecidos nós pela mão que nos governa;

não governa nossas vidas, mas governa nossas mortes.

Aponta-nos o caminho do lúgubre desterro 

e sorri perante o caos.

Os dentes rangem. Não há cura para aquele que odeia.

Sua face que a escuridão permeia

abdica de estender a mão; torna-se o ladrão

dos breves momentos vividos pelo infante.

Meus olhos almejam luz!

quinta-feira, 6 de abril de 2017

REVIRAVOLTA

Olhando para os anos que tenho,
Noto que tanto tempo vivi
Para perceber que conjuguei equivocadamente
o verbo da vida.

Espalho meus anos sobre o chão de minha história
e noto que, de fato, sobrevivi à vida imposta a mim.
Vivi pouco de todo o ar que respirei.
Hoje respiro o ar que sobrou do ar seco de inverno.

Convivo com o que posso perceber, que nem sempre
está além de um palmo da minha percepção imediata.
Aceito o dinheiro validado pelo sangue
de minha inautenticidade.

Sobrevivente de um conflito de fé
Naquilo que antes não precisava ver para crer.
Hoje, porém, ainda que venha a ver,
descreio e me inclino a pensar que alucino
ao sentir bons momentos de crença no outro.

As crianças, então, interferem em sentimentos
que eu já pensava inexistir.
Ao olhá-las, ao observá-las silenciosamente
desde um recanto isolado em minh'alma,
aceito a possibilidade de ser feliz.

E "ser feliz" é um bem-estar: a boa cama,
um alimento do corpo, um filme, um aconchego...
Às voltas com dores diurnas e noturnas,
Meus passos revelam que há um tempo que se foi...

Meus ossos aludem a um presente de limites,
de fronteiras, de uma idade que avança.
Ainda tão jovem para olhar o mundo
Com olhos marejados de lágrimas,
Sintonizo ideias abruptas, tentando ser eu mesmo
no meio de tantas pessoas que aprendi a ser...

Ah, onde está a franqueza tão pura de mim?!
Relutante, sigo adiante, com medo da morte,
que já provou ser parte indelével do mundo das gentes.
Eu costumava dizer o que meu coração me guiava a dizer.
Eu costumava gritar se preciso fosse...

Hoje penso as palavras, cubro meus choques,
maquio meu ódio com sorrisos adultos. Lá se foi minha infância...
Não dou passos inconsequentes de um adolescente;
Contudo, admito que pouco tenho a ensinar às existências incipientes.

Sobrevivi aos anos...
Poucos ares puros respirei. Escorri meus desejos
Em peneiras de medo...
E só hoje concluo que preciso viver!
Viver!

00h43



quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ESTA VIDA

Esta vida de surpresas,
de encantos e belezas,
de homens com destrezas,
de tantas facetas,
e eu com minhas manhas...

Este som que eu ouço ao longe,
e me vem de sobressalto;
encanta-me ouvir as folhas
de árvores ao vento,
que trazem o alento
do frescor do fim do dia...

Esta vida de impurezas,
de mentiras e rudezas,
de mulheres maltratadas
pelos machos que elas criam...
E eu com minhas cãs,
observo-as chorarem
por maus feitos de outrora...

Ela agora chora,
pois amava seu rebento.
Para dar o seu sustento,
esqueceu-se de criá-lo...
Ai, vadio homem nu!...
Que fizeste a esta ama?!...

Este véu que vejo à sombra
do solstício do verão,
indo ao culto ao deus pagão,
na cegueira da ilusão
de um dia ver tudo acabar,
de ver a dor amenizar...

Ah! Esta vida de surpresas,
de raras e tantas belezas!...
O poeta dela extrai
tanto o fel como o deleite,
quer não queira ou aceite
a missão de a descrever...

Lanço os olhos sobre o mar...
Lanço os olhos sobre o lar
das Marias enjeitadas.
Olho as vagas a lembrar-me
de que Gaia aí está,
Nunca há de acabar,
apesar da vida alheia
dos humanos,
pobres "nós" a divagar
à deriva de si mesmos...

DEIXA!



Deixa! Tudo já foi dito!...
O que se pensou já foi feito...
Eu aqui em meu leito,
Farto dos feitos dos outros...
Espero esta luz que me vem
de tempos em tempos brilhar.
Ali! Ali está o que eu vejo
Com olhos soberbos e gordos.
Aí já vem o espanto
de frases tão sós, sem encanto.
Deixa pra lá!
Que me vejam nu, sem beleza,
Sentado à mesa, fluindo o prazer de comer.
Eu, glutão sem pecados, pois que as mesas são deles.
Meu não é nada, ou sou eu o dono de mim,
Mas o escravo de alguém, invisível, ou difícil de ver.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

SILÊNCIO...

O silêncio é como a água de um pequeno copo.
Não se move e está ali sem estar.
O silêncio parece não ter porque estar,
e está em todo lugar da vida minha.

Ah, silêncio que me toma e me faz cair,
cair em sono de criança, sem culpa nem pensar.
Só estou aqui sem pecar,
sem chorar por vingança frustrada.

Silêncio que odeio se me mostra quem não quero.
Silêncio que rodeio, com medo de entrar.
Silêncio espelho de minh'alma,
que me fala o que não cala da verdade que eu sou.

Fico à espera do silêncio,
já proscrito das ruas, como o pobre sem nome.
Fico à janela dos dias.
Namoro em silêncio o silêncio que me cala.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

IDEIA DIFUSA

Da conversa de tantos anos passados,
das palavras há tantos anos perdidas,
de pedaços há tantos e tantos atados
à vida passada de vindas e idas.

Da conversa do ouvido de alguém
que deságua na vida brotada
de sonhos de não ser ninguém,
dos olhos da história calada.

Do omisso sussurro, silêncio,
quietude obscura, revolta
qual mar da loucura, prenúncio,
anúncio do dia da volta.

Da conversa da porta entreaberta,
do incesto promíscuo da mente,
da beleza da pura e incerta
menina, entre outras, que sente.

Esvai-se em palavras difusas
a bruma da quieta manhã.
E estamos sem nunca chegarmos
em colóquios de vida pagã.

sábado, 17 de dezembro de 2011

MUNDO MEU

Ah, mundo,
se tu soubesses o quanto eu andei,
o quanto esperei de ti um quinhão de certeza.
Virei a mesa, cantei na praça.
Acreditei...

Mundo meu, que partiste de mim,
deixando-me à margem dos porquês.
Mundo em vão, que te viste sem mim,
levando-me à beira do caos.

De amores vivi e me dei sem olhar
que a vida se dá só a quem se esquece
de um dia deixar o outro existir.

Egoísmo, por fim, que palavra tão má.
Realismo, de fato, que veio de lá,
lá da vila aquietada, onde a vida acontece.

E o que vai se dizer se o "dizer" já não diz,
não explica tais fatos, mentiras humanas,
verdades do que somos.

Mundo meu, que criei.
És real só pra mim.
És mentira, enfim, mas és meu.
És tolice de puros como eu.

Ah, como posso não ser tão modesto?...
Como creio que o mundo detesto
se este, em si, não é mais do que eu vejo?
Já não sei se é real ou se é fruto de um mal,
do mal de não ver, de não ser nem poder
inverter o equívoco de um pedaço de sombra
sem luz.

01h29